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Notícias - 16 de setembro de 2020 - 10:40

Arroz caro e escasso é resultado da política do Governo

Arroz caro e escasso é resultado da política do Governo

O desabastecimento de arroz no Brasil revela uma gama de complexidades oriundas de decisões políticas. É o que fala Silvio Porto, ex-diretor da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

A afirmação de que a exportação expressiva do arroz produzido no país explica a alta do produto no prato do brasileiro é apenas uma das explicações da nova crise que se gera no governo Jair Bolsonaro. Há muitas outras. A situação é bem mais complexa do que os  argumentos utilizados nessa linha por associações de supermercados e do setor do agronegócio e pelo próprio Governo.

De concreto, a produção do grão nos últimos sete anos vem caindo. Isso, aliado a falta de uma política de estoques públicos para a regulação e a segurança alimentar da população leva a discussão do campo da economia para o da política.

Se por um lado, de janeiro a julho deste ano o Brasil exportou 983 mil toneladas. Quase o dobro de 2019 (587,5 mil toneladas). De outro, a visão de que “estocagem é algo do passado” contribuiu fortemente para que o grão esteja com o preço nas alturas e vilão, ao lado do feijão, na alta da inflação (IPCA) divulgada no último dia 9 de setembro pelo IBGE, que figurou o pior agosto desde 2016, em termos de custo da cesta básica.

Essa é uma das opiniões do agrônomo Silvio Porto, professor da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB) que foi diretor de Diretor de Política Agrícola e Informações da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) de 2003 a 2013. “Quando um governo abre mão de ter um estoque público para regular preços em momentos como esse, entrega para o mercado essa dinâmica”, resume.

Visão liberal desmontou visão estratégica

Segundo Porto, com Blairo Maggi à frente do Ministério da Agricultura no governo Temer, se iniciou um processo de esvaziamento da política de estoques públicos no Brasil. O início da privatização de armazéns da Conab foi uma das ações que simbolizou fortemente essa visão que, para o professor, sempre esteve na cabeça de “tecnocratas” e membros das mais variadas equipes econômicas.

Postura que continua preponderante no atual governo, ressalta Porto. Ele denuncia falta de visão estratégica e de planejamento. “Tanto é que, no início da pandemia, a ministra Tereza Cristina dizia que não haveria desabastecimento”, recorda.

O ex-diretor da Conab diz que não se surpreenderia se, antes da crise, tivessem sido produzidas e ignoradas notas técnicas tanto na autarquia quanto no próprio Ministério da Agricultura alertando o risco e apontando caminhos de atuação para o governo. “Falo como alguém que esteve lá dentro e conhecendo as equipes”, registra.


Dólar alto sinalizou problema que deve se agravar

No entendimento de Porto, o governo nem precisaria ter comprado e reposto os estoques. “O Executivo poderia e tem poderes para criar mecanismos não para impedir, mas para inibir um nível de exportação que acabe prejudicando a população, tendo identificado que o câmbio com certeza afetaria o preço, pois isso era mais do que evidente”.

Da mesma forma que o Dólar alto favorece a exportação, Porto diz que o mesmo Dólar alto deve tornar inócua a medida anunciada por Jair Bolsonaro de zerar a alíquota de importação de arroz. “A paridade de importação é muito alta devido ao câmbio.

Arroz made in EUA

Além disso, Porto lembra que são poucos os pontos de entrada para as importações do produto e existe uma complexa cadeia logística que também impacta nos preços.

Outro ponto de atenção, que ele destaca é que talvez o arroz a ser importado não venha do Uruguai, nem da Argentina. “Como são países que também têm um volume grande de exportação dessa commoditie, que já têm seus contratos firmados, pode ser que o arroz acabe vindo dos Estados Unidos”.

É por isso que o professor é cético. Se importar algo de países vizinhos já teria um valor alto devido ao câmbio, o produto vindo praticamente de outra ponta do Oceano apresentaria um custo muito maior. “Não acredito que zerar a alíquota vá dar um grande impacto no preço final”, sentencia.

A soja como vilã

Maior commoditie do agronegócio brasileiro, a soja também tem a sua parcela de culpa no desabastecimento de arroz no Brasil.

Por ter um preço internacional maior, maior liquidez e menor custo para o cultivo a soja tem ocupado cada vez mais os espaços que tradicionalmente eram de cultivo de arroz.

Esse movimento que começou no Centro-Oeste, impressionou Porto que, em uma viagem recente ao Rio Grande do Sul, viu toda a região que se estende de Guaíba ao Chuí sendo tomada pela Soja. “Mesmo que parte do cultivo do arroz esteja sendo reacomodado pra outras regiões, isto surpreende”.

Outro exemplo do avanço da soja no país é que até pouco tempo o Rio Grande do Sul que respondia por 45% da produção nacional, hoje concentra 70%. “Essa concentração também impacta no preço por causa da logística de distribuição”. Da mesma forma que trazer arroz dos Estados Unidos tem um custo maior do que trazer do Uruguai, levar arroz do Sul para o Nordeste também tem seu impacto.

MST denuncia ataque à agricultura familiar

Débora Nunes, integrante da Coordenação Nacional do Movimento dos Sem Terras, como Porto entende que a Conab, “que deveria ser responsável pela política de abastecimento para evitar crises deste tipo está sendo destruída”.

Para a dirigente do MST, que é o principal produtor de arroz orgânico da América Latina, o governo Bolsonaro tem aprofundado a lógica do capital, que é  produzir para a exportação. “Com a alta do dólar isso é ainda mais grave. Não há preocupação com o país. Se aqui vamos comer ou não”, diz.

Débora cita como exemplo o Projeto de Lei 735 que foi apresentado pela oposição no Congresso para garantir apoio emergencial a agricultura familiar por meio de uma linha crédito para a produção de alimentos durante a pandemia. Aprovada, a lei “foi vetada pelo governo”, lembra.

No Brasil, a atividade envolve aproximadamente 4,4 milhões de famílias e é responsável por gerar renda para 70% dos brasileiros no campo, segundo informações do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).

Por Marcelo Menna Barreto

Fonte: ExtraClasse



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